Nas operações de permuta, somente a eventual torna recebida pode ser submetida à tributação pelo IRPJ, nas empresas optantes pelo lucro presumido

 

O Imposto de Renda das pessoas jurídicas é devida sobre ganho de capital, que é verificado na diferença positiva entre o valor de alienação e o custo de aquisição de imóvel, diminuída a depreciação, amortização ou exaustão acumuladas, mediante a aplicação da alíquota de 15% (quinze por cento) sobre a referida base de cálculo, nos termos do art. 2° da lei 13.259/16.

 

Entretanto, nas operações de permuta de imóveis sem torna não há tributação sobre o ganho de capital ou sobre o “lucro imobiliário”, tendo em vista que a permuta ou troca ou escambo mercantil, nos termos do art. 221 do antigo Código Comercial1, ocorre quando se “opera ao mesmo tempo duas verdadeiras vendas, servindo as coisas trocadas de preço e compensação recíproca (art. 191).”

 

Embora o art. 533 do Código Civil disponha que “Aplicam-se à troca as disposições referentes à compra e venda […]”, o mencionado negócio jurídico não se equipara ao instituto da compra e venda, pois o contrato de permuta pressupõe a troca de coisas diversas do dinheiro, enquanto o contrato de compra e venda implica no pagamento do preço ajustado em dinheiro (art. 481 do CC)2. É o que se extraí da lição de Pontes de Miranda3, in verbis:

 

“Não há preço, no sentido próprio; porque um dos figurantes promete um bem, que não é dinheiro, e o outro figurante promete outro bem, que não é dinheiro. A troca não deixa de ser troca se a contraprestação, em vez de ser só outra coisa, consiste na outra coisa mais importância pecuniária, que serve à correspondência de valores”.

 

O tratamento referido era respaldado pela IN SRF 107/88, a qual, em seu item 2.1, previa que nas operações de permuta não havia resultado a apurar, exceção feita, apenas, àquelas com o pagamento de torna que figurava como renda de quem a recebia:

 

“2.1 Na permuta entre pessoas jurídicas, tendo por objeto unidades imobiliárias prontas, serão observadas as normas constantes das divisões do presente subitem.

 

2.1.1 No caso de permuta sem pagamento de torna, as permutantes não terão resultado a apurar, uma vez que cada pessoa jurídica atribuirá ao bem que receber o mesmo valor contábil do bem baixado em sua escrituração.

 

2.1.2 No caso de permuta com pagamento de torna, a permutante que receber a torna procederá pela forma indicada no subitem 1.5, devendo considerar como custo do bem recebido o valor contábil do bem dado em permuta, deduzido do custo atribuído a torna recebida ou a receber. Para a permutante que pagar ou prometer pagar a torna, o custo do bem adquirido será a soma do valor contábil do bem dado em permuta com o valor da torna.” (destaques nossos).

 

No entanto, com a entrada em vigor da lei 11.638/07 e o início da convergência das normas brasileiras de Contabilidade com as normas internacionais, a matéria pertinente à permuta imobiliária foi objeto da Orientação do Comitê de Pronunciamentos Contábeis 01/08 (OCPC1), em seus itens de 20 a 23, in verbis:

 

  1. Quando unidades imobiliárias da mesma natureza e o valor são permutados entre si (apartamentos por apartamentos, terrenos por terrenos, etc.), essa troca não é considerada uma transação que gera ganho ou perda.

 

“21. Quando há a permuta de unidades imobiliárias que não tenham a mesma natureza e o mesmo valor (por exemplo, apartamentos construídos ou a construir por terrenos), esta é considerada uma transação com substância comercial e, portanto, gera ganha ou perda. A receita deve ser mensurada pelo seu valor justo. Entende-se como valor justo a quantia pela qual um ativo poderia ser trocado, ou um passivo liquidado, entre as partes conhecedoras e dispostas a isso em uma transação em que não existe relacionamento entre elas. Neste tipo de operação, a receita é determinada pelo valor de venda dos imóveis ou terrenos recebidos. Excepcionalmente, quando esse valor não puder ser mensurado com segurança, a receita deve ser determinada com base no valor de venda das unidades imobiliárias entregues.

 

Na permuta entre pessoas jurídicas, tendo por objeto unidades imobiliárias prontas, serão observadas as normas constantes das divisões do presente subitem.”

 

Assim, de acordo com essas regras, o reconhecimento contábil das operações de permuta passou a ser efetuado de duas maneiras, a saber: (i) quando se permutam bens de mesma natureza e valor (terrenos por terrenos ou apartamentos por apartamentos); e (ii) quando se permutam bens de natureza diferente (terrenos por empreendimentos).

 

Para o primeiro caso, permuta de bens de mesma natureza e preço, a Contabilidade reconhece a permuta como uma transação sem natureza comercial. Em decorrência, o seu lançamento contábil se dá pelo valor do ativo entregue, sem trânsito no resultado da atividade contábil. Já no segundo caso, de permuta de bens que tenham naturezas diferentes, a Contabilidade reconhece a permuta como uma transação com substância comercial, devendo ser mensurada pelo incorporador como adiantamento do cliente, utilizando-se como base do lançamento contábil, o valor justo do terreno recebido.

 

Nesse sentido, já se manifestou o Conselho Administrativo de Recursos Fiscal, in verbis:

 

“[…] há que se apurar ganho de capital quando há alienação na permuta pura e simples, se as condições próprias ocorrerem, pois a permuta é uma forma de alienação do bem permutado e quando o bem recebido em troca tem um valor a ser contabilizado maior que o valor registrado do bem permutado, há que ser reconhecido o ganho de capital e devidamente tributado, conforme se demonstra a seguir.

 

O tratamento legal da matéria corresponde à incidência da legislação que impõe apuração de ganho de capital tributável na alienação de ativos, e a base do ganho é a diferença entre o valor da alienação (o quanto de fato representa o bem alienado que corresponde ao valor do bem recebido) e o seu custo de aquisição (há diversos dispositivos que tratam da forma como se apura a base de cálculo, não citados). Ou seja, a variação patrimonial na forma prevista no art. 43 do CTN deve ser quantificada e deve ser pago o correspondente imposto de renda. Não há dúvida que na permuta há alienação do bem que está na propriedade do permutante – o que traz a incidência das normas de regência. Veja-se que nesses casos a base da tributação é, grosso modo, a diferença entre o valor registrado do bem objeto de alienação e o custo de aquisição do investimento recebido. […]” (Acórdão 1202-001.075).

 

Assim, segundo a RFB4, não procederia a argumentação do contribuinte de que a tributação5 só ocorreria no momento de venda futura do bem recebido em permuta, por entender que o fato gerador do imposto não seria o recebimento de dinheiro futuro, mas o acréscimo patrimonial, aferido num determinado lapso de tempo. Portanto, havendo acréscimo (diferença entre o imóvel anterior [mais barato] e o imóvel novo [mais caro]), seria irrelevante identificar a que elementos do patrimônio ele se deve, ou em quais elementos ele se exterioriza.

 

Na forma da Orientação do Comitê de Pronunciamentos Contábeis 01/08 (OCPC1), as permutas imobiliárias, envolvendo trocas de ativo de natureza diferente, são tratadas como transações comerciais para fins contábeis e, em decorrência, para apuração de tributos.

 

O entendimento acima também se aplicaria as empresas submetidas ao lucro presumido, tendo em vista a consolidação da interpretação de que nas operações de permuta “realizada por pessoa jurídica que apura o imposto sobre a renda com base no lucro presumido, dedicada a atividades imobiliárias […] constituem receita bruta tanto o valor do imóvel recebido em permuta quanto o montante recebido em torna”6.

 

Ou seja, para as empresas do ramo imobiliário optantes do lucro presumido, o reconhecimento da receita no momento do ingresso do imóvel implicaria em dupla exigência de tributos sobre o imóvel permutado (tributado na sua entrada e novamente quando revendido).

 

Todavia, independentemente do regime de apuração do lucro, esse não é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, que manteve o posicionamento do Tribunal de Santa Catarina de que “a operação de permuta envolvendo unidades imobiliárias não implica o auferimento de receita/faturamento, nem de renda e tampouco de lucro, mas sim mera substituição de ativos, razão pela qual não enseja a cobrança de contribuição ao PIS, COFINS, IRPJ e nem CSLL.” 7.

 

Naquele caso, o Sr. Ministro Herman Benjamin, entendeu que, nos termos do art. 533 do Código Civil, o contrato de troca ou permuta não deverá ser equiparado na esfera tributária ao contrato de compra e venda, pois não haverá, na maioria das vezes, auferimento de receita, faturamento ou lucro na troca. A exceção seria apenas em relação à torna, tema não analisado no paradigma, o que teria relevância apenas para o credor e não para o Permutante devedor.

 

O próprio CARF revisou seu entendimento após o julgamento supra, de relatoria do Min. Herman Benjamin, para reconhecer a singularidade das operações de permuta imobiliária em detrimento da contratação de compra e venda de bem imóvel.

 

Com isso, a 1ª Turma da Câmara Superior de Recursos Fiscais, passou a afastar o tratamento de equiparação decorrente de uma ficção jurídica que permitia concluir pelo ganho de capital, para reconhecer que o instituto da permuta enseja a configuração de qualquer acréscimo patrimonial, provento ou produto de capital e trabalho. É o que se pode colher do acórdão lavrado em 2021 pelo órgão fracionário:

 

“[…] A tributação de operações de permuta, sem torna, por meio do regime do Lucro Presumido tem fundamentação primordial no conteúdo fictício da norma que determina a sua base de cálculo, acabando por alcançar indevidamente evento que não expressa qualquer rendimento, provento ou acréscimo patrimonial. O conceito legal de receita bruta imobiliária, veiculado pelo art. 30 da lei 8.981/95, expressamente remete e delimita seu alcance ao negócio de venda, que não se confunde com o instituto da permuta. Permuta e venda são institutos de Direito Civil distintos, ainda que o Legislador de 2002 tenha, tecnicamente, optado por aplainar e coincidir sua regulamentação, exclusivamente no âmbito das relações privadas. A desconsideração da individualidade e da distinção entre tais institutos, por meio de uma equiparação total, para fins de incidência tributária, desrespeita as limitações contidas nos arts. 109 e 110 do CTN. Sendo a legítima permuta um negócio de expressão econômica e patrimonial absolutamente neutra, a determinação da tributação do valor do bem recebido na troca efetuada contraria e colide com o conteúdo do art. 43 do CTN. (Acórdão 9101-005.204, 1ª Turma da Câmara Superior de Recursos Fiscais).

 

Deste modo, nas operações de permuta, somente a eventual torna recebida pode ser submetida à tributação pelo IRPJ, nas empresas optantes pelo lucro presumido.

 

Fonte: Migalhas

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