Na alteração do regime de bens formulado em juízo, esse pedido deverá necessariamente vir acompanhado de um pacto pós-nupcial, na própria inicial do processo, com vistas à observância dos preceitos contidos nos arts. 1.653 e 1.655, ambos do Código Civil, e arts. 494 e 734, do Código de Processo Civil

 

É frequente a dúvida sobre haver ou não a possibilidade de alteração do regime de bens estipulado pelos cônjuges. Sim, a mudança é perfeitamente possível e está prevista no Código Civil, no §2º do art. 1.639. Mas essa alteração deve ser requerida em juízo e, naturalmente, ser fundamentada. No art. 734 do Código de Processo Civil também está prevista a possibilidade de alterar o regime de bens do casamento. Além do pedido motivado dos cônjuges, a regra exige a oitiva do Ministério Público e a publicação de edital divulgando a mudança almejada, ressalvando, logicamente, direitos de terceiros.

 

A parca jurisprudência sobre essa matéria versa sobre o que seria ou não uma “fundamentação merecedora” do beneplácito do Poder Judiciário e do Parquet (REsp. 1.904.498-SP, ministra Nancy Andrighi, 3ª turma, de 6/5/21); sobre se a sentença que julgou procedente o pedido de alteração do regime de bens terá eficácia ex tunc ou ex nunc (REsp. 1.300.036-MT, ministro Paulo de Tarso Sanseverino, 3ª turma, de 20/5/14); sobre a possibilidade de se partilhar os bens de pessoas casadas (REsp. 1.533.179-RS, ministro Marco Aurélio Bellizze, 3ª turma, de 8/9/15); e a de alteração do regime de bens de casamento celebrado sob a égide do Código Civil de 1916 (REsp. 730.546-MG, ministro Jorge Scartezzini, 4ª turma, de 23/8/05).

 

A questão que se pretende ver discutida, no entanto, é a necessidade da lavratura de pacto pós-nupcial antes ou após a sentença que julgar procedente o pedido da alteração de bens do casal. O próprio nome do instituto nos remete à ideia de anterioridade: o pacto antenupcial deve ser efetivado antes do casamento, quando os noivos pretendem optar por um regime de bens diverso daquele previsto na norma legal (ou mesmo optar por um regime misto ou híbrido), ou seja, comunhão parcial ou separação legal de bens (neste último caso, não há possibilidade de escolha).

 

O pacto antenupcial é um negócio jurídico, que existe, é válido (vide art. 104, do Código Civil) e somente será eficaz se lhe seguir o casamento. O pacto não tem como objetivo exclusivamente tratar de questões patrimoniais, como pactuar a dispensa de um dos cônjuges de contribuir para as despesas do casal (art. 1.688, do Código Civil), a separação convencional de bens, a livre disposição dos bens imóveis particulares no regime da participação final nos aquestos (art. 1.656, do Código Civil) ou a indenização em caso de divórcio. Pode-se igualmente tratar no pacto antenupcial de questões não patrimoniais, como renúncia ao dever de fidelidade, desnecessidade de coabitação, nomeação de tutor e escolha religiosa, entre outras.

 

Para que o pacto antenupcial tenha efeito erga omnes, ou seja, perante terceiros e não somente em relação ao casal, é que seu registro seja feito no primeiro domicílio do casal, e a averbação no local da situação dos imóveis de propriedade do casal, sob pena da aplicação do regime legal previsto no art. 1.640 do Código Civil (art. 1.657, do Código Civil c/c 12, inciso I, do art. 167, c/c 1, inciso II, do art. 167, e 244, todos da lei 6.015/73, vide também §3º, art. 6º da medida provisória 1.085, de 27/12/21).

 

O pacto antenupcial é um contrato que norteará a vida patrimonial e extrapatrimonial de determinado casal, entre si e perante terceiros. Seguindo este raciocínio, a indagação que se faz é: quando o juízo monocrático deferir, por exemplo, o pedido de alterar o regime de comunhão parcial para separação convencional e absoluta de bens, haverá ou não a necessidade de lavratura de um pacto pós-matrimônio?

 

Nos casos por mim compulsados, os juízes de 1º grau, em sua unanimidade, não determinam a lavratura de pacto nupcial e expedem mandados de averbação aos registros civis de pessoas naturais competentes, para que simplesmente proceda à alteração do regime de bens, sem que haja um novo pacto. Discordo deste procedimento, pois entendo que há necessidade da lavratura do pacto nupcial, que, in casu, será pós-nupcial, pelas razões que se seguem:

 

  1. O pedido formulado pelas partes ao juízo foi de alteração do regime de bens. Portanto, a sentença que julgou o pedido deverá se limitar a anuir ou não com o pedido de alteração do regime, atendendo, por conseguinte, os preceitos contidos nos arts. 141 e 492 do Código de Processo Civil, que, por sua vez, fazem alusão ao princípio da adstrição ou da congruência ou da conformidade.

 

  1. O pacto nupcial é negócio jurídico bilateral, que poderá versar sobre diversas questões do interesse do casal e que não tem correlação com o pedido formulado em juízo, haja vista que o pedido se limitou à alteração do regime de bens. Fora isso, repita-se, a nossa lei substantiva prevê, no seu artigo 1.653, que o pacto deverá ser efetivado por escritura pública, caso contrário, o ato será nulo

 

  1. O pacto nupcial deverá ser registrado e averbado para que surta os seus efeitos perante terceiros.

 

Ultrapassado o questionamento da necessidade ou não da lavratura de pacto nupcial quando há alteração do regime de bens, determinado pelo magistrado, outra pergunta é: em qual momento deveremos apresentar esse pacto no processo em que se requer a alteração do regime de bens?

 

Entendo que esse pacto deverá ser apresentado no pedido inicial do processo judicial, a fim de que o juízo a quo e o Ministério Público analisem se não há, no mencionado pacto, convenção ou cláusula que contravenha disposição absoluta de lei (vide art. 1.655, do Código Civil). Caso o juiz singular julgue procedente o pedido formulado pelas partes, deverá fazer constar da sentença o pacto firmado entre elas, expedindo os devidos mandados após o trânsito em julgado da sentença.

 

Entretanto, em duas decisões monocráticas por mim verificadas, pude constatar que os juízes determinaram a juntada do pacto na própria sentença, quando já encerrada a sua prestação jurisdicional, contrariando a regra processual prevista no art. 494, da lei adjetiva e sem a análise ainda que perfunctória da legalidade do pacto nupcial. Poderia o tabelião lavrar esse pacto pós-nupcial? E de que forma, visto que o pedido de alteração do regime de bens formulado pelas partes ainda não fora deferido pelo juízo?

 

Entendo que o tabelião pode e deve lavrar esse pacto, a fim de atender à vontade das partes e às normas legais e processuais. Esse foi um caso concreto que ocorreu no 15º Ofício de Notas da comarca da capital do Rio de Janeiro, em que a escritura de pacto nupcial foi lavrada sob a condição suspensiva, condicionando a sua eficácia ao deferimento e trânsito em julgado do pedido do casal direcionado ao juízo a quo, solicitando a alteração do regime de bens do seu casamento.

 

Situação semelhante ocorre quando se lavra um pacto antenupcial, ou seja, antes do matrimônio: a escritura de pacto é lavrada, o pacto existe, é válido, mas somente será eficaz se lhe sobrevier o casamento. Nesse outro caso, em que o casamento já ocorreu e houve o pedido da alteração do regime de bens, o pacto será lavrado, o ato existe, é válido, mas só será eficaz se o magistrado concordar com o pedido de alteração do regime de bens.

 

Na alteração do regime de bens formulado em juízo, esse pedido deverá necessariamente vir acompanhado de um pacto pós-nupcial, na própria inicial do processo, com vistas à observância dos preceitos contidos nos arts. 1.653 e 1.655, ambos do Código Civil, e arts. 494 e 734, do Código de Processo Civil.

 

Fonte: Migalhas

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