A todo instante surgem inúmeras propostas legislativas no Congresso Nacional para a efetivação de interinos e substitutos nas funções notariais e de registro, fulminando de morte o princípio do concurso público inscrito pelo constituinte. Exemplos de tais propostas são as PEC 471/05 e PEC 255/16.

 

O STF, em inúmeras oportunidades, determinou que são nulas todas as contratações de serventuários extrajudiciais sem concurso público: “[…] é inconstitucional esse dispositivo por violar o princípio que exige concurso público de provas ou de provas e títulos, para a investidura em cargo público, como é o caso do titular de serventias judiciais (art. 37, II, da CF), e também para o ingresso na atividade notarial e de registro (art. 236, § 3º – ADI 363)”.

 

A necessidade da aprovação em concurso de provas ou de provas e títulos, assim como do preenchimento de outros requisitos legais e infralegais para possibilitar o acesso às funções públicas efetivas nem sempre existiu no sistema constitucional brasileiro, como hoje em dia.

 

A CF/91 não exigia concurso público para ingresso na carreira pública ao contrário da Carta 1934. Há registros históricos de que, desde a CF/37, já se exigia concurso público para o ingresso em cargos públicos. A CF/67 também consagrou exigência (SILVA, 2019).

 

A vedação do acesso às funções públicas efetivas sem a necessidade de aprovação em concurso público de provas ou de provas e títulos é recente na história nacional. Apesar dessa constatação, encontrava-se até mesmo em duas constituições autoritárias e outorgadas (de 1937 e 1967).

 

Na Constituição atual os concursos públicos de provas ou de provas e títulos são exigência intransponível para o provimento de cargos públicos, “de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei”, nos termos do inciso II do art. 37 (BRASIL, 1988).

 

Ressalvam-se, porém, “[…] as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração” (BRASIL, 1988), de maneira que o acesso às funções públicas, em regra, ocorre apenas por intermédio da aprovação em concurso de provas ou de provas e títulos.

 

O § 3º do art. 236 afirma que o ingresso na atividade depende de concurso público de provas e títulos. Referido dispositivo, além disso, afirma que “[…] não se permitindo que qualquer serventia fique vaga, sem abertura de concurso de provimento ou de remoção, por mais de seis meses” (BRASIL, 1988, n.p.).

 

Reproduz-se, em relação às serventias extrajudiciais, o mesmo procedimento de acesso demandado para os cargos públicos efetivos, tornando absolutamente indispensável, para a delegação das funções notarial e registral, a aprovação prévia em concurso público. Há, contudo, requisitos legais a serem cumpridos.

 

O art. 5º da lei 8112 fixa o um regime jurídico único para os servidores públicos civis da União, autarquias e fundações públicas e determina requisitos básicos para investidura em cargo público (BRASIL, 1990). Além deles, faz-se necessária a aprovação em concurso público.

 

Para exercerem a referida atividade, de acordo com o art. 14, I a IV, os titulares de serventias devem satisfazer os requisitos legalmente impostos, dentre eles a aprovação em concurso público de provas e de títulos, a nacionalidade brasileira, a capacidade civil, a quitação das obrigações eleitorais e militares, dentre outros (BRASIL, 1994).

 

No mesmo sentido, é necessário que detenham o grau acadêmico de bacharel em direito, curso com duração mínima de cinco anos, ou experiência mínima de dez dez anos de experiência na atividade notarial ou registral, assim como uma conduta condigna com o exercício da profissão (BRASIL, 1994). Inexiste, contudo, como em outros concursos da área jurídica, a exigência de três anos de prática jurídica.

 

A concorrência entre os candidatos aos concursos cartorários cada vez mais se intensifica, na medida em que vários Estados ainda possuem inúmeras serventias vagas, por falta de concursos, como, por exemplo o Estado de Alagoas, que até hoje, mais de 30 anos após a CF/88, não fez tal certame.

 

A resolução 81, do ano de 2009, do Conselho Nacional de Justiça determinou que, para o ingresso por remoção, também é necessária a aprovação e a classificação em concurso públicos de provas e títulos (BRASIL, 2009), demandando tal procedimento dos TJs dos Estados e do Distrito Federal.

 

Hodiernamente, não é possível, como antigamente acontecia, que os cartórios sejam providos hereditariamente, como uma forma de usucapião, de pai para filho, tendo em vista que a exigência de concurso público, por se tratar de garantia individual contra o arbítrio do Estado, é imutável, sendo claramente inconstitucional qualquer mudança nesse paradigma, seja através de Emenda à Constituição, muito menos por leis.

 

Este foi um ganho para toda a sociedade que vislumbra, do mais abastado ao mais carente, a possibilidade de acesso aos mais diversos cargos públicos, bastando o seu empenho e dedicação em tais certamente disputadíssimos.

 

Um dos direitos individuais mais relevantes é a igualdade, constante no caput e no §1º do art. 5º da Constituição (BRASIL, 1988). Nesse sentido, o concurso público, ao corroborar a isonomia, transforma-se em um direito fundamental contra o arbítrio do Estado na escolha dos ocupantes de funções registrais e notariais, consagrando, também, o direito à dignidade da pessoa humana, eis que através da aprovação em um concurso há possibilidade de maior integração do indivíduo à própria sociedade, seja pela perspectiva material, seja funcional.

 

A partir da CF/88 foi modificada a perspectiva privatista, tornando imprescindível o concurso público. Questionável, porém, se a exigência de concurso público é imutável juridicamente ou poderia ser eliminada por emenda à Constituição. Trata-se do nó-de-Górdio da quaestio.

 

Não bastasse, o art. 37, caput, determina que um dos princípios da administração pública é a impessoalidade (BRASIL, 1988), que é justamente corolário da igualdade, consequência da dignidade da pessoa humana. Assim, verifica-se a imperiosa necessidade de concurso para ocupar a titularidade das serventias.

 

O concurso público corrobora a meritocracia, ou seja, a efetivação da dedicação aos estudos como prêmio ao vencedor. O CNJ – Conselho Nacional de Justiça, fixou diretrizes básicas para os concursos públicos, por meio da Resolução 81, na qual ressalva os titulares de serventias que ingressaram na atividade, mesmo sem concurso público, antes 05/10/88 (BRASIL, 2009).

 

O CNJ tem compelido os TJs do país a realizar sistematicamente concursos públicos para o provimento e remoção dos titulares das serventias extrajudiciais, evidenciando a necessidade da alta capacidade técnica e profissional dos aprovados, dada a grande dificuldade inerente aos certames.

 

Os concursos públicos, indispensáveis para a remoção e o provimento das serventias extrajudiciais do Brasil, são essenciais para selecionar os candidatos com maior capacidade intelectual e prática, bem como dedicação, para o oferecimento da prestação do serviço notarial e registral. Quanto mais capacitados os oficiais tabeliães e registradores, melhores e mais eficazes são os atos por eles praticados, com maior segurança jurídica ao cidadão.

 

As cláusulas pétreas são disposições imutáveis, que jamais o constituinte derivado poderá sugestionar ou alterar o texto constitucional, e que se encontram no art. 60, §4º da CF/88. Dentre elas, no inciso I, se encontra a imutabilidade dos direitos e garantias individuais, como versado na Carta Magna brasileira (BRASIL, 1988).

 

Neste viés, mister verificar se o concurso público é ou não imutável constitucionalmente, e se para tanto temos como corolário a dignidade da pessoa humana como efeito primário da exigência. Para se alcançar a isonomia e o livre acesso aos cargos públicos é que o constituinte originário determinou que fosse realizado concurso para a investidura de todos os cargos e funções públicas, com exceção dos cargos em comissão.

 

Há, todavia, várias proposições no Congresso Nacional voltadas à vicissitude desse paradigma, como prefalado, na tentativa de evitar que o provimento nas serventias extrajudiciais ocorra sem a necessidade de concurso público de provas e títulos – o quê beira ao absurdo. Questiona-se, nesse sentido, a viabilidade de tais proposições do Congresso Nacional, tanto de deputados quanto de senadores.

 

Enquanto uma serventia estiver vaga, são nomeados os chamados interinos, em condição precária e transitória, de livre nomeação pelo TJ respectivo, situação que, por se tratar de questão emergencial, não viola, em tese, a Carta Magna. Ocorre que há várias tentativas de se desnaturar a necessidade de realização do concurso público, eternizando os interinos.

 

Trata-se de uma violação absurda e irrazoável à isonomia, tendo em vista que busca conferir a titularidade de serventias àqueles que não precisaram ser aprovados em concurso público, de ampla concorrência.

 

Além disso, essa atitude comprometeria grandemente a qualidade dos serviços prestados à população brasileira, já que não seriam selecionados aqueles mais capacitados, ferindo, de morte, o princípio da dignidade da pessoa humana, bem como a eficiência inerente aos serviços e funções públicas.

 

Portanto, tanto a PEC 471/05 ou a PEC 255/16 são essencialmente inconstitucionais, em sua forma material, dado que não se pode efetivar em funções públicas pessoas que não realizaram concursos específicos para tal seara, sob pena da quebra essencial do direito fundamental à isonomia, núcleo de cláusula pétrea da Carta Magna de 1988.

 

Com a efetivação dos concursos públicos, haverá o concreto aperfeiçoamento dessas funções relevantíssimas para a sociedade, já que a seleção por concursos públicos visa efetivar a garantia do cidadão por intermédio da qualidade excepcional dos serviços prestados, com vistas a efetivar o valor desse preceito constitucional, garantindo a segurança e qualidade jurídicas, bem como a dignidade da pessoa humana e melhor qualidade dos serviços públicos prestados à população brasileira.

 

Fonte: Migalhas

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